Joli

  

Tinha duas coisas na minha mente: croissant e Mathieu Poulin. Seria pedir muito não me apaixonar perdidamente à primeira vista pelo primeiro cara atraente que eu vi? Não, isso não é verdade. Ele não foi o primeiro cara atraente que eu vi desde que cheguei a Paris. Houveram outros, mas ele é especial.

Claro que seria. Para um caipira qualquer do interior de Minas Gerais como eu, um príncipe francês com cabelos loiros e ondulados, olhos verdes penetrantes e um sorriso de arrancar suspiros até da mais indomada das megeras seria terrivelmente, perigosamente, indiscutivelmente apaixonante. E o jeito que ele dançava me tocou mais que tudo, desde a primeira vez que eu o vi. O balé para mim é mais do que só uma dança. Não é só o meu talento, minha profissão ou o que me trouxe aqui para essa companhia em um continente distante, a centenas de quilômetros da minha família. Balé, pra mim, é a expressão mais linda da emoção. É o teatro em movimento, é a história que se conta com cada músculo de seu corpo. E eu pude notar que para ele também era importante.

E assim, clicamos. Eu, com meu francês quase inexistente, meu inglês um pouco menos horrível, e aquele jeitinho brasileiro que acaba entendendo de tudo e fazendo a mensagem chegar de um jeito ou de outro. Ele, com aquela curiosidade que eu nem conseguia entender de onde vinha. Aquele brilho no olhar, aquele interesse que eu desejava bem no fundo que fosse mesmo direcionado a mim, e não somente ao novo que eu representava. Meu croissant chegou. E aí, só faltava ele. Agradeci ao garçom e me encolhi um pouco quando um vento um pouco mais forte varreu a sacada daquele café. Coloquei as mãos perto da boca e soprei. Nunca tinha sentido frio assim antes de sair do Brasil, mas as roupas novas que eu havia comprado depois que cheguei certamente ajudaram. Como se tivesse sido trazido com o vento, ele apareceu. Sorriu assim que me viu, e acenei.

— Demorei? — Ele disse, se aproximando a passos largos, e me cumprimentou como era comum tanto no Brasil quanto na França, trocando beijinhos na bochecha.

— Não, acabei de chegar!

Ele se sentou, tirando o sobretudo azul e deixando-o no encosto da cadeira. Fora isso, ele usava apenas um fino suéter branco de gola alta, que eu duvido que estivesse sendo útil para o proteger de qualquer frio. Europeus.

— Joli, hoje você vai ter que me aguentar o dia todo. — ele disse, e eu sorri.

— Vai ser um prazer, você sabe disso. Mas por que continua me chamando de Joli? O que os outros vão pensar? 

Ele fez seu pedido rapidamente para o garçom antes de responder, franzindo as sobrancelhas e fazendo um movimento com a mão de dedos longos. 

— Quem se importa com o que os outros vão pensar? Ah… A menos que você não se sinta confortável.

Eu ri. O dia havia amanhecido frio, e o sol tinha uma linda tonalidade cor-de-rosa, que deixava a pontinha do nariz dele só um pouco mais rosada. Era uma gracinha. 

— Não, eu gosto. Só não entendo. 

— Não entende, é? Logo que você chegou, eu ouvi você conversando com sua mãe um dia. E ela te chamou assim, não foi? Joli… Joline? 

— Julinho — corrigi. — É sério? Não sabia que você tinha escutado isso! É o diminutivo de Julio, no Brasil. Que engraçado!

Ele assentiu, e nossos cafés chegaram ao mesmo tempo. Mordi o croissant, e por um instante senti falta da versão brasileira, recheada de queijo. A gente sempre melhora tudo na culinária estrangeira, embora aquele em particular estivesse delicioso. Mathieu bebeu um pouco da xícara lindamente ornada do Café e peguei seus olhos verdes presos em mim. Imediatamente tentei cobrir a boca, achando que tinha cometido alguma gafe. Mas ele continuou: 

— Isso, e também o óbvio. 

— O óbvio?

— Sim. Você é bonito. 

Estaquei. Devo ter ficado vermelho, mas não consegui conter o sorriso. Ele pareceu se divertir, mas me olhou como se esperasse que eu dissesse alguma coisa. 

— Eu? Bem, muito obrigado. Mas não vejo nada de mais em mim. 

Ele fez uma careta, erguendo uma sobrancelha como se eu tivesse dito algo extremamente ultrajante. Mas resisti. 

— O quê? É verdade! Bonito… bonita é essa cidade, esse céu, até essas xícaras. Bonito é o Louvre! 

— Tsk! — Mathieu estalou a língua em desaprovação, e cruzou os braços. — Não acredito que estou ouvindo isso. O Louvre? O Louvre é… bonitinho. 

Gargalhei, sem conseguir acreditar no que aquele francês estava me dizendo. O Louvre era bonitinho aos olhos dele. Só mesmo alguém que sempre teve acesso a ele poderia pensar dessa forma. 

— Julio, eu estou falando sério. — ele abaixou o tom de voz, e se apoiou um pouco na mesa, aproximando o rosto de mim. E soube que era verdade porque ele nunca me chamava de Julio. — Você é lindo. Eu gosto de tudo em você. 

Isso conseguiu me calar como poucas coisas tinham a capacidade. Eu só via verdade naqueles olhos verdes. Verdade e carinho. Sobre a minha mão apoiada na mesa, a dele deslizou, tocando meus dedos com os dele, surpreendentemente quentes, talvez do café. Continuei olhando em silêncio. 

— Adoro sua risada. Eu adoro ouvir sua voz, e seu sotaque. Adoro quando você se embola e precisa começar a falar de novo, mais devagar. Eu gosto de ouvir você. 

Ri, meio envergonhado. Não ousei tirar minha mão dali. Estava perfeito. 

— Eu amo a sua pele. Amo seu cabelo. — instintivamente levei meus dedos aos cachos fechados e negros. Meus olhos olharam o contraste que nossos tons de pele faziam ao se tocarem sobre a mesa, mas logo voltaram pro rosto dele. Senti quando ele entrelaçou os dedos com os meus.

— Eu amo o jeito que você dança, como você se entrega completamente a ela, como um amante, com paixão, com alma. Que ciúmes. Queria que você pudesse se entregar pra mim como se entrega a ela. 

Desviei o olhar, rindo nervosamente. Mas eu não estava fugindo. E Mathieu não me deixaria fazer isso, de qualquer forma. Eu me sentia exatamente da mesma forma quando ele dançava. Emoção em movimento. 

— Não sei se ficou claro para você. Eu te amo, Joli. Amo tudo que há sobre você.

Eu sorri. Estava feliz como nunca tinha estado antes. Estava estampado em cada parte de mim o que aquilo significava. O céu cor-de-rosa havia trazido para nós a coragem de dizer a verdade, de expressar a emoção que sentíamos perto um do outro, em uma dança delicada e mútua que desconhecia a dor, que não sabia o que era ódio. Mesmo parados, dançamos juntos, mesmo parados, nossas almas se moveram e giraram, se entrelaçaram e dançaram enquanto olhávamos Paris de cima. E agora? Agora o Louvre parecia mesmo uma coisa pequena. 


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